segunda-feira, 23 de maio de 2011

Insoniaziña

ornitorrinco #5


Cogito arrancar os braços pra dormir. No ombro, um parafuso. Quando solto, braço livre e corpo rolando de um lado pro outro, sem quebra-molas. Que sonho.

O corpo só atrapalha pra dormir. E ainda por cima os colchões não são acopláveis a cada tipo de corpo, e se assim fossem, acordaríamos destruídos.

E ainda têm os espasmos. Quando nos posicionamos pra dormir, imóveis pra fora, mas dentro com a GRÉCIA-NO-VERÃO-O-DIA-QUE-EU-QUEBREI-O-COPO-VERDE-DA-MINHA-VÓ-PRECISO-GANHAR-DINHEIRO-PRECISO-IR-NUM-ENDOCRINO-MEU-IRMÃO-PODIA-VOLTAR-O-BANHEIRO-ESTÁ-COM-O-TAPETE-IMUNDO, é curioso perceber quando de supetão, sua coxa se mexe. Ou seu pé, ou a cara toda mesmo. Você não mandou, não enviou a mensagem, o estímulo, o pontapé do movimento e mesmo assim, o corpo desobedeceu. Mexeu, sozinho. Outrem no controle remoto. Alguém te zoando, te sacaneando. Espíritos. Sua vó, talvez, minha prima.

Daí que você volta a tentar. Definitivamente os ombros são o problema, o costume do pescoço prum lado, a exigência do outro lado em estar perto também do travesseiro.

O homem ao meu lado desliga a TV agora, precisa dela pra dar sono vez ou outra. Se eu a vejo, eu me envolvo aos 45 do segundo tempo de um filme. Capaz d’eu chorar. Conforme a TV apaga, mesmo de olhos fechados, por uns segundos esqueço a GRÉCIA-NO-VERÃO-O-DIA-QUE-EU-QUEBREI-O-COPO-VERDE-DA-MINHA-VÓ-PRECISO-GANHAR-DINHEIRO-PRECISO-IR-NUM-ENDOCRINO-MEU-IRMÃO-PODIA-VOLTAR-O-BANHEIRO-ESTÁ-COM-O-TAPETE-IMUNDO e sinto a chegada das mitocôndrias visuais. Muito comuns em dias claros, na praia. Confundem com “vista arranhada”. Eu confundo com ribossomos e Complexos de Golgi. Ficam piscando e se mexendo dentro do meu olho, eu posso guiá-las pra lá e pra cá. Eu posso expandi-las, eu posso fingir que sumiram, mas fazer voltar. Eu só não posso dormir.

Boa noite, Grécia.
Boa noite, corpo.
Boa noite, ciência.
Ótima noite, guerra.

domingo, 22 de maio de 2011

terça-feira, 17 de maio de 2011

idéias com acento

idéia prum diálogo - 1:
duas pessoas conversando, tentando lembrar de onde se conhecem.
"do colégio tal? da casa do fulano?"
percebem que não.
e vão além.
"a gente não se conhece da inquisição? da fogueira?"
outras vidas.



idéia prum diálogo - 2:
uma mãe que vira pro filho e fala "nunca fale com espíritos hein!"
"nem sua bisa, nem seu avô."

terça-feira, 10 de maio de 2011

mamãe, mamãe, mamãe, eu me lembro

essa história é da tia márcia. ela parou o carro pra ir na farmácia. deixou a mãe e os 3 filhos pequenos dentro do carro. era 1986, 87. enquanto ela esperava pelo seu remédio, deu uma olhadinha lá fora. um homem, sentado no lugar dela, de motorista, liga o carro e começa a chegar pra trás. tia márcia sai correndo feito louca, gritando, chega no carro, finca suas unhas no pescoço do homem, berrando "solta! solta minha família!". depois de muito tempo, ela finalmente pára e consegue ouvir o que sua mãe estava dizendo: "márcia, você parou o carro na frente da garagem dele, minha filha, ele só estava puxando seu carro pra frente pra ele poder entrar." diz minha tia que não conseguiu nem pedir desculpas, porque não conseguiu falar. posso ver as marcas das unhas quase perto do sangue vir no pescoço do homem.
essa história é da tia rosângela. ela, meu tio e seus filhos subindo o alto da boa vista. tio cláudio dirigindo. um homem quer tentar ultrapassar, nessa época meu tio guardava um taco de baseball no carro, ele põe o braço pra fora, segurando o taco com força, ameaçando. parando na praça do alto, quase na floresta da tijuca, meu tio estaciona. um homem gigante e forte, se aproxima do carro do meu tio, ainda com todos dentro, coloca a mão na janela aberta e diz "e aí, amigo, cadê o pau?". meu tio, magrelo, estatura mediana, diz com a voz mais fina de toda sua vida "pau? que pau?". tia rosângela cai na gargalhada. na frente do marido, na frente do gigante, na frente dos filhos, na frente do pau.
essa é da minha mãe. ela e meu pai se beijam de língua, viajam, vão ao cinema, escrevem cartas de amor. com 5 anos, meu pai disse que eles iam se separar por um tempo. não entendi direito (nunca os vi brigando feio), só lembro que meu pai agora morava num lugar que eu e meus irmãos dormíamos numa rede e comíamos salsicha. três meses depois voltaram. nunca vi minha mãe chorando, nunca. nunca tocaram nesse assunto, não quiseram e não quisemos perguntar. um dia, com 18 anos talvez, quase sendo confundida com um grunge, estou eu na cozinha, mulamba, minha mãe questiona meu cuidado com minhas roupas, meu cabelo, minha aparência. eu resmungo, fazendo da vida um grande pleonasmo. ao que minha mãe resolve se pronunciar, pela primeira vez na vida, sobre sua separação: "minha filha, eu, mesmo quando me separei do seu pai, não deixei de raspar a perna!". não consegui comer o omelete.
feliz dia das mães, esse dia que não existe, esse dia bonecas-russas, esse dia glorioso onde você agradece a sua sentença de vida e de morte.
unhas cravadas, gargalhadas nervosas, pernas raspadas, deve ser o tal reino da alegria.