minha coluna de fim de ano do ornitorrinco:
1. Tenho pensado muito na permanência. No estado e na sensação. Fim de ano me melancoliza. E parei de culpar o inferno astral. É a cidade mesmo, o país, o universo. Não tenho casa para morar ano que vem e tudo que vejo custa um preço que me faz arrotar. Hei de conseguir. E mesmo que não permaneça, hei de descobrir outro estado, outra sensação.
2. Fui fazer um retiro de 5 dias na serra. Não tem linha. Podia falar, podia comer, podia tudo, só chamo de retiro pois assim encarei. Meditar não é só sentar de pernas cruzadas. Respeito os retiros com nomes de retiros e regras de retiro, mas meu mapa astral não me permite lugares assim. O que tiver de vir, virá. De dentro, de dentro. Nós, mulheres, somos grandes bonecas russas. E se eu paro pra pensar na mãe da mãe da mãe da mãe da mãe da minha mãe, nem posso. Já choro.
3. Eu estou viva. 2mil&13 me matou um bocadinho. Geralmente os ímpares me matam, nos anos pares eu colho. Parece coincidência, mas não é. Os ímpares matam (morrer é importante, deus me livre ser highlander) os pares acompanham, te dão suporte.
4. A escolha (mentira, não é uma escolha) em ser artista me obriga, de alguma maneira, a permanecer em algum grande centro urbano, embora isso me exaspere. Foi o ano em que mais odiei o Rio, mesmo morando brevemente perto da praia. Essa foi minha terapia, o mar. Mergulhei muito esse ano, nadei um bocado. Foi meu único amor com a cidade, o mar. Porque de resto foi só decepção e medo. Preciso mesmo estar aqui sendo artista? Se eu me encalacrar no mato, vão parar de me chamar para as coisas? É o que dizem, eu não sei, sinceramente. Estou aqui, mas não estou aqui, então do quê adianta?
5. Pessoas que dizem "sonhei com você" estão mentindo. Passaram a noite pensando em você, mas a etiqueta encalacrada das pessoas cagonas que não querem se expor não permite isso. Então, as pessoas apelam para o subconsciente e mandam mensagens dizendo que "sonharam com você". Mentira. Passaram a noite pensando em você. Acordadíssimos. Que em 2014, as pessoas tenham mais coragem de dizer "eu passei a noite pensando em você", isso não te torna carente ou devotado demais ou sei lá o quê, isso te torna humano. Isso te torna amor.
6. Terminar uma relação é porrada. O ouvido apita um "i" agudo sem parar. O chão abre, a sua comida favorita não tem gosto, o álcool desce como água. Você lembra dos planos que ficaram no coração, dos filhos que ficaram no saco escrotal, nas viagens que não rolaram, você pensa nos seus pais, você se frustra, você esperneia, você implora, você acha que é melhor assim mesmo, é montanha russa, mexicana, paraguaia, drama em vários atos, novela, horror. Mas...mas é inconcebível para mim, esfarelar o amor. Resumir ao pior. Não consigo. Se passei quase 6 anos amando um homem, não consigo sair da relação abraçada à frustração ou ao caos interno. Ou à raiva ou a qualquer outro sentimento de mágoa. Os amigos questionaram, ficou todo mundo espantado. Você está bem mesmo, Letícia? É óbvio que passei noites comendo cocô e ao invés de lavar o cabelo com shampoo caro eu só chorava embaixo do chuveiro. Perdão, toda água do mundo, compenso de outras maneiras. Mas eu tenho uma péssima tendência a ser feliz. Me perdoem, terapeutas, remédios, me perdoem. Que mania besta essa de querer rir, gargalhar, amar. E que memória absurda e companheira que só guarda os momentos astrais e de entrega absoluta e de fé e força. No amor. Lucas, sinto muito, me perdoe, te amo, sou grata. Feliz 2mil&14 pra você!
7. Parei de comer carne e frango. Nunca fui carnívora máxima, por enquanto estou gostando da limpeza. Pele, barriga, cara. Forte. Prometo não ficar chata com quem come. Tenho bons exemplos. Meu pai é churrasqueiro, minha mãe é yoga-linhaça-verduras. Ela prepara pra ele o filé mignon, mas não come. Mas ela prepara, entende? Feministas, eu também sou, mas eu agora estou falando de amor.
8. Fui muito reconhecida esse ano. Não passou uma semana sem que eu fosse abordada, na praia ou no mercado, na rua ou na manicure. A maneira sempre me surpreende, as pessoas tremem, contam de algum trecho da música que mandaram para o grande amor da vida delas, falam da sensação que tiveram no primeiro show. Sem contar nos emails que recebi. Carinhosos, meu deus, carinhosos, ursinhos. Eu respondi todos, tomara. O último foi um pouco mais triste. Moça contava que ela e o melhor amigo ouviam muito Letuce. Eram amigos, irmãos, brodismo alto. O rapaz se matou há pouco tempo, se jogou da janela, mas antes deu um sorrisinho pra ela. Ele era doutor em matemática. E gay. A moça me perguntava "Letícia, onde ele está agora?". Eu no meio do buffet, engasguei e respondi algo sobre luz, amor, interior, verdade. Foi difícil pra mim, imagina pra ela. Nem imaginem pra ele. Luz.
9. Minha voz. Esse ano passei horas sem falar, passei horas tagarelando, passei noites cantando. Minha voz era minha amiga, esse ano viramos amantes. Mas desses que se respeitam. Desses que não mentem. Quando vou maltratá-la em alguma madrugada sem destilados, eu aviso que vai doer um pouco essa bebida gelada, e assim temos nos relacionado bem. Fiz coisas que até então nunca tinha pensado. E não é que ela obedeceu ao desejo? Ela foi, ela conseguiu. Ô voz, que alegria profunda essa caverna corporal do eco.
10. Meus arrepios do ano vão para meus amigos. Não citarei nomes porque se esquecer algum, vou ficar chateada comigo mesma. Tenho uma facção, os mais presentes, claro, todos temos, mas esse ano fui agraciada por muitos. Amigos que vejo pouco, amigos que só bebo cerveja e falo besteiras, amigos que me dão divã, amigos de mergulhos, da literatura, da bicicleta, do camping, da feira, amigos que me dão casa pra ficar, amigos que me escrevem de longe qualquer besteira. Eu sempre tive muita sorte, mas esse ano eu confirmei. Que amor bonito esse. Esse encontro que beira a filosofia, o pum e o cocô, o abraço tímido e o porre escancarado, me emociona, bicho.
11. Gostei bem de escrever para o Ornitorrinco, não me acho boa escritora, mas sinto prazer quando junto as letras, os verbos, as palavras, e sentir prazer já é meio caminho andando, então me diverti, foi quase terapia, foi importante demais. Gabriel, que bom aquele dia que você me chamou pra isso, que boa aquela hora que eu aceitei.
12. .
13. Jamais serei uma dessas pessoas que diz a frase "Você sabe com quem está falando?" Porque eu mesma não sei quem é essa que está falando. Esse ano fica como sendo o ano que entendi que vez ou outra, empresto o corpo para outras forças. E a voz também. Maravilha.