quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

13 fatos sobre 2mil&13

minha coluna de fim de ano do ornitorrinco:


1. Tenho pensado muito na permanência. No estado e na sensação. Fim de ano me melancoliza. E parei de culpar o inferno astral. É a cidade mesmo, o país, o universo. Não tenho casa para morar ano que vem e tudo que vejo custa um preço que me faz arrotar. Hei de conseguir. E mesmo que não permaneça, hei de descobrir outro estado, outra sensação.

2. Fui fazer um retiro de 5 dias na serra. Não tem linha. Podia falar, podia comer, podia tudo, só chamo de retiro pois assim encarei. Meditar não é só sentar de pernas cruzadas. Respeito os retiros com nomes de retiros e regras de retiro, mas meu mapa astral não me permite lugares assim. O que tiver de vir, virá. De dentro, de dentro. Nós, mulheres, somos grandes bonecas russas. E se eu paro pra pensar na mãe da mãe da mãe da mãe da mãe da minha mãe, nem posso. Já choro.

3. Eu estou viva. 2mil&13 me matou um bocadinho. Geralmente os ímpares me matam, nos anos pares eu colho. Parece coincidência, mas não é. Os ímpares matam (morrer é importante, deus me livre ser highlander) os pares acompanham, te dão suporte.

4. A escolha (mentira, não é uma escolha) em ser artista me obriga, de alguma maneira, a permanecer em algum grande centro urbano, embora isso me exaspere. Foi o ano em que mais odiei o Rio, mesmo morando brevemente perto da praia. Essa foi minha terapia, o mar. Mergulhei muito esse ano, nadei um bocado. Foi meu único amor com a cidade, o mar. Porque de resto foi só decepção e medo. Preciso mesmo estar aqui sendo artista? Se eu me encalacrar no mato, vão parar de me chamar para as coisas? É o que dizem, eu não sei, sinceramente. Estou aqui, mas não estou aqui, então do quê adianta?

5. Pessoas que dizem "sonhei com você" estão mentindo. Passaram a noite pensando em você, mas a etiqueta encalacrada das pessoas cagonas que não querem se expor não permite isso. Então, as pessoas apelam para o subconsciente e mandam mensagens dizendo que "sonharam com você". Mentira. Passaram a noite pensando em você. Acordadíssimos. Que em 2014, as pessoas tenham mais coragem de dizer "eu passei a noite pensando em você", isso não te torna carente ou devotado demais ou sei lá o quê, isso te torna humano. Isso te torna amor.

6. Terminar uma relação é porrada. O ouvido apita um "i" agudo sem parar. O chão abre, a sua comida favorita não tem gosto, o álcool desce como água. Você lembra dos planos que ficaram no coração, dos filhos que ficaram no saco escrotal, nas viagens que não rolaram, você pensa nos seus pais, você se frustra, você esperneia, você implora, você acha que é melhor assim mesmo, é montanha russa, mexicana, paraguaia, drama em vários atos, novela, horror. Mas...mas é inconcebível para mim, esfarelar o amor. Resumir ao pior. Não consigo. Se passei quase 6 anos amando um homem, não consigo sair da relação abraçada à frustração ou ao caos interno. Ou à raiva ou a qualquer outro sentimento de mágoa. Os amigos questionaram, ficou todo mundo espantado. Você está bem mesmo, Letícia? É óbvio que passei noites comendo cocô e ao invés de lavar o cabelo com shampoo caro eu só chorava embaixo do chuveiro. Perdão, toda água do mundo, compenso de outras maneiras. Mas eu tenho uma péssima tendência a ser feliz. Me perdoem, terapeutas, remédios, me perdoem. Que mania besta essa de querer rir, gargalhar, amar. E que memória absurda e companheira que só guarda os momentos astrais e de entrega absoluta e de fé e força. No amor. Lucas, sinto muito, me perdoe, te amo, sou grata. Feliz 2mil&14 pra você!

7. Parei de comer carne e frango. Nunca fui carnívora máxima, por enquanto estou gostando da limpeza. Pele, barriga, cara. Forte. Prometo não ficar chata com quem come. Tenho bons exemplos. Meu pai é churrasqueiro, minha mãe é yoga-linhaça-verduras. Ela prepara pra ele o filé mignon, mas não come. Mas ela prepara, entende? Feministas, eu também sou, mas eu agora estou falando de amor.

8. Fui muito reconhecida esse ano. Não passou uma semana sem que eu fosse abordada, na praia ou no mercado, na rua ou na manicure. A maneira sempre me surpreende, as pessoas tremem, contam de algum trecho da música que mandaram para o grande amor da vida delas, falam da sensação que tiveram no primeiro show. Sem contar nos emails que recebi. Carinhosos, meu deus, carinhosos, ursinhos. Eu respondi todos, tomara. O último foi um pouco mais triste. Moça contava que ela e o melhor amigo ouviam muito Letuce. Eram amigos, irmãos, brodismo alto. O rapaz se matou há pouco tempo, se jogou da janela, mas antes deu um sorrisinho pra ela. Ele era doutor em matemática. E gay. A moça me perguntava "Letícia, onde ele está agora?". Eu no meio do buffet, engasguei e respondi algo sobre luz, amor, interior, verdade. Foi difícil pra mim, imagina pra ela. Nem imaginem pra ele. Luz.

9. Minha voz. Esse ano passei horas sem falar, passei horas tagarelando, passei noites cantando. Minha voz era minha amiga, esse ano viramos amantes. Mas desses que se respeitam. Desses que não mentem. Quando vou maltratá-la em alguma madrugada sem destilados, eu aviso que vai doer um pouco essa bebida gelada, e assim temos nos relacionado bem. Fiz coisas que até então nunca tinha pensado. E não é que ela obedeceu ao desejo? Ela foi, ela conseguiu. Ô voz, que alegria profunda essa caverna corporal do eco.

10. Meus arrepios do ano vão para meus amigos. Não citarei nomes porque se esquecer algum, vou ficar chateada comigo mesma. Tenho uma facção, os mais presentes, claro, todos temos, mas esse ano fui agraciada por muitos. Amigos que vejo pouco, amigos que só bebo cerveja e falo besteiras, amigos que me dão divã, amigos de mergulhos, da literatura, da bicicleta, do camping, da feira, amigos que me dão casa pra ficar, amigos que me escrevem de longe qualquer besteira. Eu sempre tive muita sorte, mas esse ano eu confirmei. Que amor bonito esse. Esse encontro que beira a filosofia, o pum e o cocô, o abraço tímido e o porre escancarado, me emociona, bicho.

11. Gostei bem de escrever para o Ornitorrinco, não me acho boa escritora, mas sinto prazer quando junto as letras, os verbos, as palavras, e sentir prazer já é meio caminho andando, então me diverti, foi quase terapia, foi importante demais. Gabriel, que bom aquele dia que você me chamou pra isso, que boa aquela hora que eu aceitei.

12. .

13. Jamais serei uma dessas pessoas que diz a frase "Você sabe com quem está falando?" Porque eu mesma não sei quem é essa que está falando. Esse ano fica como sendo o ano que entendi que vez ou outra, empresto o corpo para outras forças. E a voz também. Maravilha.

sábado, 14 de dezembro de 2013

domingo, 24 de novembro de 2013

luz

noites de especialidade:

quem sabe viver e empresta vida
alcança o reino do coração

eu agora entendi tudo
e abandono o nada

sábado, 9 de novembro de 2013

21 e 31 anos

madrugada:
analiso mapas
comparo luas
paro pra tapioca
paro pro gatorade
fosse ontem era vinho
hoje me recupero
fosse antigamente
eu já tava em outra
hoje tô de 4

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

ehr

é engraçado quando "as escravas atentas" me copiam, no modo de dizer, no jeito de escrever.
fosse antigamente ficava jogo-da-velha-chateada, hoje em dia me reafirmo abelha rainha. vanguarda, querida.

since feeling is first


e.e. cummings

since feeling is first
who pays any attention
to the syntax of things
will never wholly kiss you;
wholly to be a fool
while Spring is in the world

my blood approves,
and kisses are a better fate
than wisdom
lady i swear by all flowers. Don't cry
—the best gesture of my brain is less than
your eyelids' flutter which says

we are for each other: then
laugh, leaning back in my arms
for life's not a paragraph

And death i think is no parenthesis

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

último dia de agosto

auto centrada cambaleando na estrada
não há cinto que impeça
que meu coração tombe
que minha cabeça role
e que minha boceta sangre

eu hoje até teria um filho teu
meu ânimo respira com aparelhos
devo desligar e sorrir
só com a sobrancelha

esquecer os dentes
esquecer os dentes

sábado, 5 de outubro de 2013

Romance Ornamental

(Noite, rua, beira do mar, quiosque aberto, o único vendedor está vendo uma mini-tv. Sentados nas cadeiras, embaixo de um guarda-chuva gigante, um homem e uma mulher. Chove. Eles não se importam, duas águas de coco já foram tomadas, estão vendo os raios caindo no mar, não falam há 17 minutos. Até que.)


O: - Engraçado, eu pensava que poder era associado à maldade, eu não queria pensar isso, na real, mas pensava. Star Wars lascou minha cabeça.
A: - E depois Fausto?
O: - É, depois Fausto, depois O poderoso chefão, depois Nietzche, depois minha família, depois novelas, depois mulheres. Todos os poderosos são maus. Você não olha para o Dalai Lama e pensa "Que poder!"
A: - Eu penso! Porque o tipo de poder que eu desejo é o que ele tem: calma, tranquilidade.
O: - Mas você é um ET.
A: - Telefone minha casa
O: - Tem um guitarrista que fez pacto com o demônio para ser o melhor guitarrista do mundo. 
A: - Por que não com Deus, né? 
O: - Com Deus é milagre. É o labirinto. Do bem, o curso da vida normal. Grande labirinto. Pacto é atalho. 
A: - Pacto é atalho! Eu nunca faria um pacto na minha vida.
O: - Você é muito boa.
A: - Eu sei, é horrível.
O: - Não, é lindo. Eu nunca tinha conhecido alguém bom e forte. Eu achava que pra ser forte a gente tinha que ser mau. A gente tinha que ir para o dark side.
A: - Luke, I am your father.
O: - Têm vários filmes que o vilão vence.
A: - É cinema!
O: - Mas na filosofia tamb...
A: - Eu não sei, eu só leio romance.
O: - Vou te emprestar umas coisas.
A: - Eu te devolvo. Eu sou boa.
O: - (ri) Os vilões das novelas são sempre mais pops também.
A: - As rainhas más são mais curiosas que as princesas...
O: - O mundo pode ser inacreditável.
A: - Diz que a Xuxa fez pacto também para ela ser quem ela é.
O: - Nunca saberemos a verdade.
A: - Gosto de pensar que ela não fez, que ela é isso mesmo.
O: - Você é tão boazinha.
A: - Ela fez, né? Dizem que uma galera pesada aí do mundo das celebridades fez pacto. Eu até acredito em ritual. Em entrar no mar e conversar com as entidades, pedir agradecer, mas fazendo um pacto eu vou ter um preço a pagar, e sabe-se lá o que vai ser.
O: - No milagre, não há preço pelas benesses do bem, vale mais.
A: - Mas o milagre é loteria, né? O pacto é garantido? Como é? Você chama o Diabo? Liga pra ele? (gargalham)
O: - Diabooo, demônioooo...
A: - Ou você vai num lugar específico? E será que tem garantia mesmo assim? E o que ele leva de você em troca?
O: - Grande demência! Me irrita que as mulheres poderosas não são tão femininas, eu ia ach...
A: - Que caô! Várias mulheres poderosas femininas. Aquelas gurias do vôlei, super femininas, unha, cabelo, batom e com uma medalha de ouro no peito.
O: - Mas na política não rola tanto, a Dilma, Margaretch, Condoleezza, o poder pode ser meio brusco, não estou condenando, é inconsciente talvez, quanto mais demandas elas têm, mais ela podem se esquecer de algum contato íntimo pessoal...
A: - Mas são mulheres que correm com lobos. Não há escolha. Algumas mulheres escolhem ser outra coisa. Coisas que não são, coisas que desejam. Umas conseguem, outras ficam ridículas, pobrecitas. São apenas um simulacro do que almejam. Mas há uma parcela que não escolhe. Que é. Derruba tudo sendo. Mas é. Apesar d'eu ser boa, eu me encaixo nesse quesito. Seria bom tentar ser má. Mas quando eu vejo eu já tô devolvendo o troco que me deram errado.
O: - Ou ajudando as velhinhas do mercado que não alcançam as prateleiras do alto.
A: - Mesmo atrasada! Eu sou muito boa mesmo.
O: - Eu te contei que outro dia eu dei uma volta na lagoa e todas as pessoas que passaram por mim, todas, todas falavam de amor? De alguma maneira, um trecho que fosse.
A: - Que louco. Mash-up seleção natural da vida. Fazia sentido?
O: - Como?
A: - As frases! Uma mulher falava alguma coisa e a próxima pessoa que falava tinha a ver com a outra frase ouvida?
O: - Às vezes sim.
A: - Uau, místico. Tarô oral.
O: - Eu achei bem aleatório e bobo, meio ridículo.
A: - Por que? Eu ia ficar arrepiada.
O: - Porque me mostrou o quanto as pessoas são clichês, e as histórias de amor se repetem, não há ineditismo algum.
A: - É um cover do amor.
O: - Uma vez eu ouvi numa música "até o amor ser bom, ele é tão ruim"
A: - Que verdade terrível.


(silêncio de quase 1 minuto) 


A: - Sabe qual a distância desse raio?
O: - Como?
A: - Você ouve o trovão e começa a contar, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9! Ai quando o raio cai, você para a contagem! Nove! E sempre divide por três! Nove por três, três. Esse raio está a três quilômetros de distância.
O: - Olha!
A: - Mauricio de Souza que me ensinou.
O: - Uma dia você escreveu que eu era um raio, eu fiquei meio triste...
A: - Mas você é. Você ilumina.
O: - Momentaneamente.
A: - Pelo menos, ué! Tem gente que não tem mísero facho de luz.
O: - Você é vaga-lume.
A: - Eu não sou nada. Só sou boa.
O: - E nem tão boa assim você é.
A: - Ah não?
O: - Não, você é boa e tem poder, uma coisa rara, mas você também sabe ser má, se precisar. Se te magoam ou te decepcionam, você não consegue ser má?
A: - Não, se me magoam, eu só fico triste mesmo, tenho pouco escorpião no meu mapa, não curto vingança. Acho curioso a maldade pela vingança. Se me decepcionam, eu fico tão borocoxô, que tomar uma atitude vingativa me tomaria muito energia. E triste eu fico sem.
O: - Nunca te magoaram sério então, que bom. Porque tem uma hora que você se rebela.
A: - Não, tem uma hora que eu me escolho, eu me prefiro. Escolho minha sanidade, minha boa água no corpo. Não má água no corpo. Mágoa. Ó! Má-goa. Já tinha reparado?
O: - Ó!
A: - Você já viu Ligações Perigosas?
O: - Já, claro. 
A: - Tem uma cena que:




O: - É, o mundo muda pouco mesmo.
A: - Meus netos ainda vão ver notícias sobre conflitos no Oriente Médio.
O: - Notícias sobre o veranico no Arpoador em pleno inverno.
A: - Notícias sobre as escolas de samba falando sobre o café!
O: - Cenas finais de novelas com conflitos amorosos!
A: - Não sei porque filmam de novo, é tudo igual mesmo.
O: - Mas é triste quando ela fala que os que mais merecem amor não são felizes com ele.
A: - O amor é uma grande caldeirada incalculável.
O: - Faz parecer que a gente tem que cozinhar.
A: - Mas a gente tem. Alguns pratos demoram cinco horas para ficar bons, outros é só tssss, chapar mesmo. Não há garantias. Tem gente que passa dez anos num cozimento amoroso mas o prato pode nem ser tão bom quanto um tssss.
O: - Tsssss
A: - É importante saber o tempo do fogo.
O: - Eu não sei.
A: - Eu só sei que quem ama baixa a guarda. Sendo tão alta, fica difícil pra mim.
O: - En guarde?
A: - Touchée?

(Para de chover, nuvens se dissipam do céu rapidamente, parece desenho animado. De repente a lua, de repente as estrelas, de repente surge um homem tocando saxofone.)

O: - Se ele tocar Night and day, eu fico pelado e saio correndo pela praia.
A: - Se ele tocar Summertime, eu recolho suas roupas e te visto com calma e carinho.

Saxofone: - Eu amei-e-amei-ai-de-mim-muito-mais-do-que-devia amar
E-chorei-ao-sentir-que-iria-sofrer-e-me-desesperar
Foi-então-que-da-minha-infinita-tristeza-aconteceu-você
Encontrei-em-você-a-razão-de-viver-e-de-amar em paz
E-não-sofrer-mais-nunca mais 
Porque-o-amor-é-a-coisa-mais-triste-quando-se-desfaz
O-amor-é-a-coisa-mais-triste-quando-se-desfaz

(Ele resolveu ficar pelado mesmo assim, ela também resolveu recolher suas roupas. E por fim, vesti-lo. Com calma e carinho. Era a primeira promessa que cumpriam. Volta a chover.)





segunda-feira, 30 de setembro de 2013