tinha uma risada esganiçada, que me irritava um pouco. mas era mais velha que eu, e já tinha colocado cigarro e outras coisas na boca, o que me causava fascínio. éramos primas e fazíamos tudo juntas. me provocava de uma maneira não explicativa, apenas sensorial. me concentro, fechando os olhos para que o mundo não me perturbe, e tento lembrar mais, sempre lembrar mais. vida interrompida de maneira bruta e imbecil. o que foi mesmo que ela disse naquele dia antes d’eu ter dado um tapa na cara dela? me viu fazendo teatro. teatrinho. do colégio. afirmou como prima mais velha, que aquilo seria minha vida. repetiu de ano. gargalhávamos com os mesmos dentes. meu dentista era o dela. a guerra no golfo, janeiro de 91. marina vai para as ruas de paralelepípedos de são pedro d’aldeia e começa a pular com fúria e bradar: guerra! guerra! quebrou o pé. me encantava a paixão pela independência, pela busca das experiências, pelo ineditismo, pela coragem. a última vez que nos vimos, estávamos num quarto de outra prima, eu, ela e um menino de um ano. brincávamos com ele, fazíamos cosquinha. observávamos o princípio da vida. perguntei seus planos para o aniversário, 4 dias depois. me contou das suas idéias. era branca, tão branca que tinha varizes faciais. morreu completando outra idade. envelheci 20 anos. após o ritual de enterro, fui ao cinema, dopada, não podia ficar em casa, não podia ficar parada, não podia existir depois. cogitei correr nua pelas ruas, mas eu ainda não tinha 18 e isso me soava difícil de explicar se me pegassem. percebi a sutileza e o silêncio da morte. fui atrás da paixão pela independência, da busca das experiências, do ineditismo, da coragem. tem um tempo. achei um caderno de perguntas, você sabe, aquele caderno com perguntas, todos respondiam. uma besteirinha. ela respondeu. com fome, lia todas as suas respostas, pois ali se fazia presente viva. era um telefonema. a pergunta de número 32 era: “você tem medo, de quê?” eu e minhas curiosidades acerca do ser humano. desde sempre.
ela respondeu: de morrer cedo.Flores que parecem nariz, do alto desse coreto, eu espero na escadinha, enquanto você caminha até mim. Talvez chova essa tarde. Cai a lua. Girassol.
Delicado, sincero, amoroso e triste.
ResponderExcluirLindo, me fez chorar...
ResponderExcluircaramba, que lindo, letícia. lindolindolindolindo. dor daquelas que a gente não quer nunca sentir, mas se tiver que é bom poder dizer assim.
ResponderExcluirum beijo da maria
Letícia. Pela primeira vez em muito tempo eu não sei o que dizer. Sensível e violento. Imagino que o texto seja sobre uma vida igual. Que bom que você teve essa experiência, e essa companhia.
ResponderExcluirO texto doeu em mim. Mas doeu uma dor boa.
Obrigada por mais este.
Hm, esse texto me deu uma ternura, uma ternura tristinha, mas ternura.
ResponderExcluirFurioso e terno,Letícia, adorei esse texto!!Mais!!!
ResponderExcluirTexto lindo, de transbordar olhos em ondas de amor.
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