terça-feira, 10 de maio de 2011

mamãe, mamãe, mamãe, eu me lembro

essa história é da tia márcia. ela parou o carro pra ir na farmácia. deixou a mãe e os 3 filhos pequenos dentro do carro. era 1986, 87. enquanto ela esperava pelo seu remédio, deu uma olhadinha lá fora. um homem, sentado no lugar dela, de motorista, liga o carro e começa a chegar pra trás. tia márcia sai correndo feito louca, gritando, chega no carro, finca suas unhas no pescoço do homem, berrando "solta! solta minha família!". depois de muito tempo, ela finalmente pára e consegue ouvir o que sua mãe estava dizendo: "márcia, você parou o carro na frente da garagem dele, minha filha, ele só estava puxando seu carro pra frente pra ele poder entrar." diz minha tia que não conseguiu nem pedir desculpas, porque não conseguiu falar. posso ver as marcas das unhas quase perto do sangue vir no pescoço do homem.
essa história é da tia rosângela. ela, meu tio e seus filhos subindo o alto da boa vista. tio cláudio dirigindo. um homem quer tentar ultrapassar, nessa época meu tio guardava um taco de baseball no carro, ele põe o braço pra fora, segurando o taco com força, ameaçando. parando na praça do alto, quase na floresta da tijuca, meu tio estaciona. um homem gigante e forte, se aproxima do carro do meu tio, ainda com todos dentro, coloca a mão na janela aberta e diz "e aí, amigo, cadê o pau?". meu tio, magrelo, estatura mediana, diz com a voz mais fina de toda sua vida "pau? que pau?". tia rosângela cai na gargalhada. na frente do marido, na frente do gigante, na frente dos filhos, na frente do pau.
essa é da minha mãe. ela e meu pai se beijam de língua, viajam, vão ao cinema, escrevem cartas de amor. com 5 anos, meu pai disse que eles iam se separar por um tempo. não entendi direito (nunca os vi brigando feio), só lembro que meu pai agora morava num lugar que eu e meus irmãos dormíamos numa rede e comíamos salsicha. três meses depois voltaram. nunca vi minha mãe chorando, nunca. nunca tocaram nesse assunto, não quiseram e não quisemos perguntar. um dia, com 18 anos talvez, quase sendo confundida com um grunge, estou eu na cozinha, mulamba, minha mãe questiona meu cuidado com minhas roupas, meu cabelo, minha aparência. eu resmungo, fazendo da vida um grande pleonasmo. ao que minha mãe resolve se pronunciar, pela primeira vez na vida, sobre sua separação: "minha filha, eu, mesmo quando me separei do seu pai, não deixei de raspar a perna!". não consegui comer o omelete.
feliz dia das mães, esse dia que não existe, esse dia bonecas-russas, esse dia glorioso onde você agradece a sua sentença de vida e de morte.
unhas cravadas, gargalhadas nervosas, pernas raspadas, deve ser o tal reino da alegria.

Um comentário:

  1. É, tenho pelo menos duas tias que reagiriam como a sua tia Marcia... ;)

    e que bonito isso:
    "Feliz dia das mães, esse dia que não existe, esse dia bonecas-russas..."

    =)

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