A Tijuca não existe, e eu, portanto, invento caminhos e pessoas. Mas acreditem em mim quando eu contar isso:
Tive uma vida de oito anos de aparelho, a conseqüência é um sorriso bacana que condiz com a gargalhada. Agradeço ao Dr. Antônio e a meus pais que pagaram fortunas. Mas no fundo-no fundo, tenho dentes meio fracos, apesar de raízes enormes que quase me matam na hora de arrancar o siso.Bonitinha mas ordinária. Inclusive já tive até que tratar um canal em um dente. Terror, aflição e sangue. Passei um dia coçando a gengiva com a língua. Aquela coisa inicial gostosa. De repente, começou a doer e lá fui eu ao Nilo, dentista da família e meu conhecedor há 20 anos. Figura de sobrenome Máximo. Saí do Nilo com risadas, oralmente anestesiada, broncas por deixar de ir lá e com saudades de andar ao léu pela Tijuca bizola, amada & odiada. Esperava o amor ligar e então fui passear. Praça Saens Peña. Uma mini Copacabana, mas muito mais retrógrada e tradiça. Resolvo sentar num banco onde duas senhoras conversam. Eu sento. A senhora de óculos começa: “Que dentes bonitos você tem!” Rio da coincidência ou da falta dela e da praticidade do mundo se mostrar mundo para mim e agradeço. Ela continua: “Mas você é realmente muito bonita, minha filha”. A amiga, portuguesa por sotaque, emenda: “De fato, um moça muito elegante.” Eu agradeço de boca um pouco torta. E começamos uma conversa pra lá de antiga. Nisso, um homem com calça camuflada começa a pregar a palavra de Deus para uma praça que não lhe olha. Os homens jogam buraco e não ligam. Casais em outro bancos não param o beijo. E o homem urra: “Deus não abençoa os ladrões”. Para meu espanto, a senhora portuguesa até então mais tímida, grita: “Mas o ladrão não nasceu ladrão”. A senhora de óculos, constrangida, faz sssshhhh para amiga que acabara de se revelar anarquista. O amor liga e eu preciso ir embora. Me despeço e ouço um “Cuide bem dos seus dentes, minha filha” que me deixa arrepiada e com vontade de passar fio dental até sangrar tudo. Levanto e vejo uma garça no laguinho que sempre foi sujo e sempre alegrou descamisados no verão. Nisso, uma mulher, já senhora, mas com efeitos de plástica, coordena um fotógrafo atrapalhado: “Isso, aqui, agora assim. Vai” Ela está com um guarda-chuva mezzo brega, mezzo dispensável. Ela senta no chão, aos pés do laguinho tijucano e grita: “Pega a garça ao fundo”. As pessoas param e observam o editorial cafona. Me junto a um grupo de curiosos e tentamos adivinhar quem é ela. Mas desisto de tentar quando dizem que ela fez “Barriga de aluguel”. Minha memória vai até a esquina. E volta. Mas o melhor, o que me fez delirar foi quando uma empregada doméstica (digo isso pois ouvi sua profissão, meu julgamento é tão fora da realidade que poderia pensar qualquer coisa dela) ficou olhando atentamente a modelo sentada aos pés do chafariz, e o fotógrafo Glamour Foto Studio dizendo uma ou outra coisa sem sal. Ao ver um saco plástico compondo a foto, a empregada doméstica não pensou duas vezes: virou diretora de arte.
- Tira esse saco plástico debaixo do seu pé, minha querida.
Saco no lixo, flash liberado, foto feita e todo meu amor pela Tijuca de volta.