sábado, 31 de agosto de 2013

Poema natural, de Adalgisa Nery



Abro os olhos, não vi nada
Fecho os olhos, já vi tudo.
O meu mundo é muito grande
E tudo que penso acontece.
Aquela nuvem lá em cima? 
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Ontem com aquele calor
Eu subi, me condensei
E, se o calor aumentar, choverá e cairei.
Abro os olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei.
Aquela alga boiando, à procura de uma pedra? 
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Cansei do fundo do mar, subi, me desamparei.
Quando a maré baixar, na areia secarei,
Mais tarde em pó tomarei.
Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha,
Fecho os olhos e comento: 
Aquela pedra dormindo, parada dentro do tempo,
Recebendo sol e chuva, desmanchando-se ao vento?
Eu estou lá,
Ela sou eu

Um comentário:

  1. sereia a sério

    o cruel era que por mais bela
    por mais que os rasgos ostentassem
    fidelíssimas genéticas aristocráticas
    e as mãos fossem hábeis
    no manejo de bordados e frangos assados
    e os cabelos atestassem
    pentes de tartaruga e grande cuidado

    a perplexidade seria sempre
    com o rabo da sereia

    não quero contar a história
    depois de andersen & co.
    todos conhecem as agruras
    primeiro o desejo impossível
    pelo príncipe (boneco em traje de gala)
    depois a consciência
    de uma macumba poderosa

    em troca deixa-se algo
    a voz, o hímen elástico
    a carteira de sócia do méditerranée

    são duros os procedimentos

    bípedes femininas se enganam
    imputando a saltos altos
    a dor mais acertada à altivez
    pois
    a sereia pisa em facas quando usa os pés

    e quem a leva a sério?
    melhor seria um final
    em que voltasse ao rabo original
    e jamais se depilasse

    em vez do elefante dançando no cérebro
    quando ela encontra o príncipe
    e dos 36 dedos
    que brotam quando ela estende a mão


    ::: Angélica Freitas. Rilke shake (São Paulo: Cosac Naify, 2007)

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