segunda-feira, 19 de julho de 2010

29 de setembro de 2007

Outro dia acordei atrasada, esqueci de colocar o sutiã. Mas como estava atrasada, tive que correr. Correndo, senti a gravidade.
Corta para:
Outro dia na praia vi uma menina de 3 anos agoniada com a parte de cima do biquíni. Me cocei pra não ir até ela e liberar o ainda não-seio da infanta.
Estudei dos 3 aos 10 anos num colégio de freiras. Mesmo sendo filha de médium de umbanda e iogue. Vai entender... O recreio era lúdico: às vezes trocava papéis de carta russos (meu avô havia ido pra Rússia e me trouxe papéis de carta de lá, para meu grande fascínio), às vezes jogava bafo com os meninos, obviamente minha figurinhas eram da turma da Mônica. Sim, havia o elástico. O qual, pulávamos. Eu tinha uma existência fácil, mas já reparadora. Eu comecei falando de peitos. E vou voltar a eles. Calma. É que sou explicativa, sou filha da minha mãe, não confunda com fazer rodeios. É que sou dos detalhes, sou do arco íris, não do pote de ouro. Eu gostava do Rodrigo Barbosa, e isso é outra GRANDE história da minha vida que depois faço um texto longa metragem, não pelo prazer dos leitores comentarem, mas só pra enquanto eu escrever tentar compreender os porquês. Não que eu precise. Mas eles caem bem. Porque, porquê, por que, por quê. Caem bem. Viu?
Eu era um retão dos boxes. Algumas meninas já usavam top embaixo da blusa do colégio de freiras. Só quero que você se top top top. Teve uma tarde que algum professor não foi. Ou era educação física, eu não sei, pena. Mas também pouco importa. O que aconteceu foi que os meninos foram jogar futebol na quadra. Rodrigo Barbosa me chamou. A minha altura me valia alguma coisa que eu mesma ainda não sabia. Achavam que eu era boa. E nem era basquete. Fazia calor, pois assim começam as boas histórias: “fazia calor...” Frio dói, você sabe. Haviam dois times: com camisa e sem camisa. Caí no time dos sem camisa. Mas tudo bem, meu bem, nosso bem, todos os bens. Eu era fedelha, tinha 2 irmãos mais velhos, ficava constantemente sem blusa em casa – até perceber a proeminência de duas bolas de gude vindo ao mundo. Lá fui eu, para o time dos sem camisa. Naquela época eu não pensava que o Rodrigo Barbosa ia odiar meu peito reto, liso, eu simplesmente nem cogitava a idéia dele odiar ou amar. A partida foi emocionante, o contato com meninos já me excitava em outros níveis, e eu queria jogar bem, fazer gols, defender, driblar e ser louvada por tal feito. No meio do jogo, uma inspetora apareceu e interrompeu meu coito. Gritou pela quadra: “Letícia, na sala da irmã Maria Angélica agora e vestida decentemente”. Coloquei a camisa de botão em cima do corpo vermelho e suado. Meus ossos felizes, minha cara de medo. Corri os corredores do colégio imaginando se meu time ainda estava ganhando. A sala da Irmã era tenebrosa ou assim lembro na minha mente. "Quem mandou tirar a blusa perante tantos meninos?” ela já perguntou logo de cara. Eu queria perguntar o que significava "perante", e explicar que eu não via diferença em meninos e meninas, a não ser que uns tinham uma minhoquinha no meio das pernas e outros tinham um dabliuzinho, w. A Irmã me entregou uma caneta e folhas e disse que eu deveria escrever “A mulher correta é a mulher recatada” CEM VEZES. 100. Não lembro se a frase era essa. Assim desse jeito. Mas lembro que tinha a palavra recato. E mulher. Do quarto andar do colégio, ouvindo meus amigos urrando no pátio, com as bochechas irlandesas em brasa, escrevi com minha letra de caligrafia: “A mulher correta é a mulher recatada”. Isso tem tempo já. O primeiro sutiã veio, a vergonha também. Primeira mão, primeira língua, primeiro topless. Peito carrega muita coisa. É coração, é pulmão, é muita informação. A rima pobre veio sem querer. Recatar vide o dicionário: esconder; acautelar; ter em segredo. A mulher correta, diziam as freiras, é aquela que se esconde. Meu tamanho nunca me permitiu. Os amigos riem da minha queixa de não conseguir ser gatinha mistério. Eu não tenho segredos. Oh sim, talvez um, talvez cinco. Mas pelo visto a humanidade tem vinte e dois. E todos vivem seu próprio segredo.
Outro dia fui recatada, por um momento recatada. E não me senti correta. Me senti humana. Agora digito sem blusa, faz um calor descomunal para o mês, o mundo vai acabar, meus alertas dizem dentro de mim. Olho para o meu colo e aqui estão. Peitos. Meus. Carregando o peso e a leveza e o recato e o tesão e a agressividade e a delicadeza. De todas as coisas que eu sou capaz. De todas as coisas.
Comprei um lápis. Tem cheiro de lápis, você lembra? Tenho folhas em branco. Vou escrever cem vezes “A mulher correta é livre” Nunca entendi o poder do número 100, mas vou escrever cem vezes e lançar ao vento. Instalação ao vento. Talvez você ache minha letra por aí. Agora esfriou muito. O mundo vai acabar, meus alertas dizem dentro de mim. Coloco uma blusa pra tapar meu peito. Peito tapado. Colo livre. Deita aqui.

3 comentários:

  1. Eu gostava do Bruno Neves e ainda não tinha bolas de gude no lugar dos mamilos. Uma vez o Bruno Neves ficou implicando comigo dizendo que eu estava de sutiã. Estar de sutiã era uma novidade na quarta série. Só as meninas de corpo precoce usavam. Eu era tábua e nunca tinha experimentado um sutiã, mas gostei de fazer o Bruno Neves pensar que eu usava e tratei de ajeitar alças imaginárias embaixo da blusa amarela da Acalanto. Cheguei em casa sonhando com um sutiã e pedi à minha madrinha. Fomos na C&A e saí de lá com um sutiã de algodão rosa. Na primeira vez que vesti, percebi que aquilo não fazia o menor sentido. Uma coisa embaixo de outra, pano e elástico embaixo da blusa. Mas fiz questão de ajeitar as alças para Bruno Neves ver.

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  2. Eu não gostava de ninguém. Eu só queria saber de bater nos meninos, no meninopegamenina.
    E pra mim, desde sempre, peitos free.
    Minha mãe odeia.

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  3. Parabéns cara... tu escreve muito bem. Tava fazendo um trabalho e vim parar aqui de alguma maneira obscura. Tenho que te agradecer pelas risadinhas que eu dei :)

    "sou do arco íris, não do pote de ouro" *clap clap* hahahaha

    Bom, de volta ao trabalho

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