Eu funciono com avisos. Esses carros que viram à esquerda sem ligar a seta, quem são eles? E olha que não sou do tipo que cola, sou do tipo que toma susto. Sou uma das 17 pessoas no mundo que clica em “visualizar impressão” antes de imprimir, de fato. Uma besteira sem precedentes, eu sei. Mas sou um homem cauteloso. Não imprimo nada sem visualizar. Adoro setas me alertando desde bem antes que seu trajeto irá mudar. Assim, me preparo calmamente e não sinto meu coração bloquear minha garganta. Pois assim são os sustos, bloqueiam a garganta. O grito fica guardado, aqui dentro, uma coisa meio Al Pacino no último Poderoso Chefão. A filha chatinha morre, e ele senta na escadaria do teatro e dá um grito sem som, que dura uns...hum... vamos lá... 8 segundos? Sim, oito segundos. Sabe lá o que é isso? A não preparação do que virá me causa pizzas nas blusas, suo feito um boi, e sabe-se lá se boi sua. Tenho pensado em Rita mais do que eu deveria. E Rita não dá setas. Visualizo a impressão, mas o texto não está pronto, de modo que a visualização fica uma merda. Talvez se eu fizesse astrologia ou algo do mesmo naipe, eu saberia mais sobre o futuro. Mas sou uma negação para essas sensibilidades do além. Rita não sabe mas no meu último romance, relato o mesmo bola-gato que ela me concedeu na última vez que ficamos. A mulher segura meu pau com as duas mãos e tem todo um lance de fazer um chapéu na cabeça do dito cujo. Desconcertante. Amo Rita e já sei porquê. Não que não soubesse antes ou que o ato de amar sem motivos desqualifique o amor em si, mas agora dirigindo pra casa, 4 chamadas não atendidas, já sonhando com a chegada ao lar, a barrigada pós jantar gorduroso chinês e solitário, a dose de licor nessa noite incrivelmente fria, percebo o motivo de tal verbo. Amo Rita porque nós piscamos juntos. A mulher pode não me dar alertas das ações futuras, mas a sintonia se faz na respiração, e respiração guia a pausa dos olhos, o descanso dos cílios. Comecei achando que Rita não piscava. Sabendo do impossível, daqueles que não são cegos, conclui que justamente quando eu pisco, Rita pisca também. Ao concluir, fui tomado por um fechamento da glote, tentei falar e não consegui. Rita no clássico: “engasgou?” E eu, ali, assustado na garganta, fazendo força para não piscar, querendo saber se ela é enfim, humana, não conseguindo e finalmente piscando, e concluindo que ela piscara também, e ah, sim, concluindo enfim que isso é amor. Rita outro dia fez uma tese hilária, fiquei calado e apaixonado ouvindo a mulher, com uma voz que me dá tesão. Ela fala “Eu acho o seguinte” e meu pau fica duro. Imaginando aquela mão fazendo aquele chapéu. Dizia ela que Marieta Severo deve ter sofrido muito, afinal Chico era Chico e haviam mais de mil gatinhas no salão. Ela diz umas expressões assim que eu não acredito na leveza, mesmo se tiver sacanagem. Mas aí, gargalhava alto e continuava, Marieta também traía Chico. Ô. Como traía. E só assim conseguiram viver tanto tempo casados. Não entendia bem os paralelos, mas estar com Rita é assim mesmo: é não entender, esquerdas, direitas, freadas bruscas, acelera até sumir. Mas nada disso importa, poderia ouvir a mesma história mil vezes e ainda acharia genialidade naquela que respira com a mesma velocidade que eu, e descansa o olhar do mundo no mesmo tempo que eu. Vemos as mesmas paisagens. E trocamos de canal juntos. Cinco chamadas não atendidas, já perdi o pudor e a consciência do ridículo. “Opa, você ligou pra Rita e ela não te atendeu. Deixa um recado que a Rita é bacana e sempre liga de volta.... PIIIIIIII” A Rita é uma escrota impulsiva, uma doidona faladora de merda, sem rumo pra nada nessa vida, uma cleptomaníaca de corações, uma rasa que precisa se preencher diariamente com coisas novas, não consegue manter a vida, precisa de elogios diários para poder criar as merdas que cria. Ah sim, se ela ligar agora, atenderei com voz fofa, quase um viadinho e direi melosamente: “Opa, Rita”. Mas Rita não é bacana comigo e não liga de volta. Na ausência da mão que vira chapéu da cabeça do meu pau, na ausência da ligação correspondida, na falta de placas sinalizadoras, escrevo um texto que sei que meu chefe vai proibir, mas quer saber? Visualizar impressão porra nenhuma. Vai assim mesmo, coração, sem revisão, na contramão, desajeitado e já ameaçando corte profundo, vai assim mesmo. Arquivo. Novo. Márcia? Irene? Juliana? Abrir. Salvar. Me salvar. Mas peraí, salvar como?
- Alô, Rita? Imagina, querida, eu durmo super tarde.
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