sábado, 23 de julho de 2011

Gerador

A pobreza sorri mais. E isso é adorável e também dolorido.
Nunca consegui o encaixe duma coisa só. Por isso a preguiça em voltar a fazer stand-up. Já contei as minhas histórias e não consigo inventar, como a maioria dos que fazem.
Só consigo contar o que realmente aconteceu comigo. Mas agora, preguiça, muita preguiça. Poesia também, embalo, mergulho, mas não permaneço. Deve haver explicação, mas também estou cagando. Essa sou eu. Envelhecer é se tornar chato. E ao mesmo tempo se conhecer mais. Mas se conhecer mais é assumir manias, loucuras, hábitos, preconceitos. A gente tenta, óbvio, a gente sempre tenta. Mas no final das contas, nossa essência é a mesma desde os 5 anos de idade.
Eu sou assim desde os 5. Tenho poucas testemunhas a recorrer, mas é isso mesmo. Fico agradecida em ter amigos, amor e ser tão chata. Eu sou a primeira a ir embora de uma festa. Não gosto que fumem perto do meu rosto. Não como queijo. Não gosto de ouvir música o tempo todo em um jantar . Chata. Lucas diz difícil, e eu fico pensando que não dá mais pra amaciar. Ou dá?
Eu agora vivo no Rio Comprido. Minha vó Marphisa quando veio do Espírito Santo morou aqui anos. Meu pai, que morava na Lagoa, vinha até o Rio Comprido, namorar minha mãe, linda, MUSA, coisadelouco de beleza. E agora, eu aqui, no Rio Comprido. Meu prédio é um oásis, vou ficar cada vez mais caseira e CHATA. Mas também tenho lido muita coisa, escrito e principalmente pensado sobre o pensamento. (Todos riem)
Sim, prédio oásis, toda uma mata me abençoando ser humana, pássaros, pé de carambola, uma piscina pr'eu fingir que sou sincronizada. Eu sempre morei em lugares com piscina, OBRIGADA UNIVERSO.
Mas a praça onde faço compras é suja. Bem pobrinha. Ambulantes se confundem com mendigos, carros, motoboys, caos. Mas lá vou eu no Horti-Fruti ou na Peixaria. E todos, TODOS são tão simpáticos e eu me sinto em São Pedro D'Aldeia em 1989, quando todos se falavam. A luz acabou. E as pessoas se ajudavam, se orientavam, faziam piadas, juntos, todos. Quando voltou, toda uma rua aplaudiu.
Eu ainda tento disfarçar meus quase 2 metros, ainda mais com a quantidade de camelôs com aquele pau da barraca espetando meus olhos. Mas todos dizem bom-dia-boa-tarde, e não é dia de feira. É um dia qualquer. Uma moça vende pipoca, salsichão e batata-frita. Com a cara oleosa e muito ocupada, ela ainda consegue me dar uma informação. Todos desejam "Bom final de semana", todos são bem simples em palavras, vestimentas e escolhas. Penso que sou especial, que são simpáticos comigo, a cliente em potencial. Mas não. A felicidade reina por ali. Penso o que fariam com um pouco mais de oportunidade. Sendo que oportunidade aqui significa DINHEIRO. O que fariam?
Teriam mais eletrodomésticos? Comprariam um terreninho em Macaé?
Mas na escala monetária, os ricos também devem me olhar e pensar "Que alegria com tão pouco! O que ela faria com um pouquinho mais?"
E meus novos vizinhos também se utilizam de tal escala. Terrível pensar que a felicidade também consiste em se comparar com outros que estão na pior. Os vizinhos devem pensar nos que não tem o que comer. Apenas os que não tem o que comer pensam "Fudeu". E eu não faço muito por esses que não tem o que comer.
Eu estou muito confusa e tenho certeza disso.
Um brinde aos meus novos vizinhos que aos poucos não me deixam adentrar no reino da dificuldade.
Dizem que é o amor que faz baixar a guarda, mas confundiram com gentileza.

3 comentários:

  1. Gosto de ler Letícia! Aproveitando o tema "não fazer nada pelos que não têm o que comer" - vai aí um texto sobre a moralidade disso! [=*]
    http://vidaeticahoje.blogspot.com/2011/07/levando-serio-caridade.html

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