Com 10 anos, na festa de reveillon na casa dos meus pais, tive uma epifania absoluta. Fugi da festa e me tranquei no quarto aos prantos, pensando: "TODO MUNDO VAI MORRER". Ainda não tinha batido essa real. Uma prima apareceu, me confortou um tiquinho, e até consegui entrar na piscina duas da manhã, de vestido branco, achando aquilo uma grande anarquia. Enquanto nadava, já sorrindo e parecendo ter 10 anos de volta, pensava: "TODO MUNDO VAI MORRER".
Isso, pra dizer que no tempo livre que a vida me oferece, que é ele todo, pois mesmo trabalhando ou na fila de um banco, sinto liberdade no ato, penso muito na morte. Não tenho tendência suicida e não faço uso de remédio algum para poder/conseguir sobreviver. Mas sim, penso muito, MUITO na morte. Em como as pessoas que gosto vão morrer, quando, de que maneira, e eu mesma, claro. O elevador demora, eu penso numa morte nele. Um ônibus passa voando, e se ele levasse a senhorinha que anda na calçada? O corpo dela, a vida dela. Visualizo. Eu no carro. Eu dormindo. Dentro do meu cérebro. O telefone tocando. Dessa vez sua vó se foi. Ou foi fulana, minha amiga mais nova? Eu tropeçando, eu descobrindo ser podre por dentro. Avião caindo, pequenos acidentes, só que com o azar de serem mortais. Sempre, sempre. Não me consome. Não sofro com isso. Não dura muito. Minha vida é desregrada de horários. Acaba um show, posso chegar em casa e peidar ou posso ter audácia contra o cansaço e pegar o violão e tentar compor. E isso ainda é tempo livre. Também, também. Mas não há um dia da minha vida que não pense na morte. E soube por amigo querido que sofre do mesmo mal, que os xamãs pensam na própria morte de diferentes maneiras todo dia da vida. E que essa consciência e visualização traz força. O delírio nos sobrepõe, a gente voa, brinca de viver e é claro que amanhã a gente acorda e faz tudo isso de novo. Já estive lá, mas agora quis assumir essa ideia fixa com a morte e sabem as deusas se isso me trará a tal força xamânica ou não.
Fora isso, continuo devorando bertalha com ovo, fazendo mais de 2 shows por semana, entregando à pele protegida ao sol, observando muito meu corpo e do homem que se propõe ficar nu pra mim. Tenho lido bastante, gente louca, gente viva, poesia, devaneio, bastante coisa. Tenho feito muitos planos, sem grande ansiedade, conhecido um pessoal bacana, e não "bacana" dos anos 80, onde isso significava riqueza, meu bacana é de riqueza fonética, labial, gostosura mental, abraço nem tão apertado que incomoda, nem tão frouxo que sugestiona. Tá tudo bem, tudo agitado e calmo, olho do furacão, olho de um bebê que nasceu, e ainda assim, a morte sempre aqui do lado, presença que exclama: OPA.
Eu, devota da vida, abaixo a cabeça cerimoniosamente quando sei que ela está por perto. Medo algum, apenas curiosidade e respeito. E infinitas mil possibilidades. De permanência e de liquidação.
Enquanto isso.
caramba, tenho essa mesma relação com a morte. do mesmo jeito. sinistro. nem sei o que dizer.
ResponderExcluirAos 9 anos ganhei um livro chamado "De onde nós viemos?" para explicar o sexo e a vida. Acho que precisávamos de mais 2 : "Quem somos?'" e o ultimo volume e o mais ineresante: "Para onde vamos?"
ResponderExcluirPenso na morte diariamente, mas é um pensamento com sede de vida, para não perder nada,nem um segundo...
de onde vem o sobrenome ?
ResponderExcluirmarcia, let it flow. aline, eu li esses livros também, morri de rir com a explicação de orgasmo (um espirro que não vem, não vem, não vem, e de repente vem, hahahaha). thiago, não entendi? meu sobrenome? novaes. interior de pernambuco, floresta. <3
ResponderExcluirPois é, Letícia. Formamos parte do tipo de gente que pensa na morte como parte da vida. Todos os dias, não sei desde quando, penso na morte e nas pessoas morrendo e em como vai ser a minha morte, não o acontecimento somento mas o efeito desse na vida das pessoas. Depois de toda essa pensação, rolou de levar isso pro trabalho e agora, quase terminando, disserto antropologicamente sobre o IML do Rio. Essa coisa de ver morto todos os dias me ajudou, tenho mais fundo criativo e as imaginações da morte e dos mortos são mais verossímeis.
ResponderExcluirE nada disso atrapalha, é só pensar free.
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ResponderExcluirhoje na volta pra casa pensando numa história pessoal que eu teria que contar na aula de interpretação, lembrei da minha relação com a morte. lembrei do dia que li isso aqui. ai voltei aqui.
ResponderExcluirhoje flui na escrita-sentimento, le.
Quando eu era criança eu pensava muito na morte, principalmente, na morte da minha mãe. Tenho alguns fleches dessa memória, eu no banho escovando os dentes, a água caindo na pia e do nada eu pensa: “quero que minha morra”. Na época eu achava que era coisa do demônio... me sentia tão mal por desejar algo tão fora do normal. Eu queria morrer por pensar assim... com o tempo fui amenizando a culpabilidade de tal sensação, pois mesmo rejeitando com todas as forças o pensamento de morte, ela aparecia subitamente por mais que eu lutasse contra. E quanto mais eu a rejeitava, ela aparecia não importava a onde. No banheiro, no ônibus na volta para casa, lendo um livro, rezando... comendo, antes de dormir... eu rezava muito, pedia pra que deus tirasse aquilo de mim. Ele nunca fez isso... eu penso muito na morte. Muitas vezes não penso no como, não crio cenários, só penso afirmação da morte de alguém. Tal pessoa irá morrer... e como um Deus todo poderoso eu lanço o dilúvio... Mas com o tempo comecei a imaginar situações de morte. Um ônibus passando na ponte, ele cai. Eu tento salvar as pessoas. Eu andando pela rua, um carro passa por cima de qualquer objeto, e esse objeto me atinge na cabeça. Sangro até a morte. De uns tempos pra cá comecei a aceitar de vez isso. Assumi com menos peso. Hoje penso que quando afirmo a morte é porque quero é afirmar a vida. Penso no contrário pra enganar a morte. Ai ela desvia seu percurso e desiste. Desiste de passar a mão em mim, desiste de passar a mão na minha mãe quando ela tentar se matar com os seus remédios. Penso que dessa forma salvo minha mãe das suas tentativas afirmativas de morte... e afinal a gente morre um tanto de vez por dia sem saber... não tenho mais medo, não tenho mais culpa.