terça-feira, 18 de maio de 2010

sobre a fala

Uma das minhas sete lembranças da faculdade de letras – sempre me pareceu muito engraçado dizer “faço letras”, até porque eu sempre tive no mínimo 3 tipos diferentes de caligrafia numa mesma redação, lucas diz que é coisa de gênio, eu acho que é preguiça de continuidade, allonsenfants: sempre achei engraçado afirmar “faço letras”. “Belas artes” também. Quando o literal me pega, dou gargalhada. Tentando voltar, lembro de uma professora de lingüística (meu interesse pela faculdade era tamanho que acabei repetindo tal matéria, junto com latim e português, quem diria) que contou a seguinte história: ela tinha uma filha de 3 anos que já falava quase tudo, formava frases, sabia conversar. A professora ganhou uma bolsa na Europa, lance imperdível, teve que ir, deixou a filha com o marido (posso estar inventando aqui) e quando voltou 6 meses depois (ou foi 1 ano?) a menina tinha desaprendido todas as palavras, não falava mais nada. Nunca mais esqueci dessa história, não sei o que a professora fez, se levou a garota na fono ou se aplicou toda a academia que morava no cérebro e em seu cu (era um ambiente muito difícil, a faculdade de LETRAS, muito difícil). Liguei a um filme sensacionalista que passou numa madrugada da minha infância sem sono, chamado “Caroline”. E quando aquela voz avisava que era baseado em fatos reais, nossa, eu já estava toda cagada. Fácil de impressionar, bobinha. Uma mãe norte-americana psicopata matou os filhos menores na banheira, troço assim, a filha mais velha viu, já tinha seus 11 ou 13 e também perdeu a fala, tamanho choque. Tenho 5 anos, lembro das meninas da sala dizendo os nomes com vozes meigas, doces. Quando perguntavam o meu, volto a lembrar da cara da Tia Concheta, professora do jardim e rima fácil para os que tinham irmãos mais velhos. Uma mini taquara, grave sem controle, respondia. Como se meu nome de repente fosse “Letctctct íííííxxxxx CIAAAAKKYYWWW”. Ano passado, três amigos foram para retiros onde não era possível falar. Contam de suas entregas e também de um ansioso ou outro que esbugalhava os olhos, numa tentativa de comunicação. Dez dias sem falar. Duvido que eu consiga. Por agora. E se conseguir, já ouço o questionamento alheio de “qual é o problema?”, sendo que nenhum, e não o faria por ser cantora e achar que devo preservar minha voz. Faria pra ver onde ela pararia. Onde estaciona a voz? Lembro das aula de voz, lembro da Rose mandando a gente engolir. Engole, engole. E aonde chegava? Minha voz quando vi o Lucas pela primeira vez. Disse: “Oi, ilustrador” e ainda bem que ele não me conhecia, pois se não saberia que aquela voz não era minha voz cotidiana, a voz cocô-xixi-meleca. Era uma voz com depósito, meio trêmula, mas segurada, eu diria. Minha voz quando vi meu sobrinho pela primeira vez. Revendo o vídeo que Lucas fez, pareço uma galinha com TPM, sendo obrigada a chocar ovos. Histérica. E aguda. Volto pra filha da professora de Lingüística e também me imagino sendo abandonada, perdendo os amores que tenho e me vejo muda. Mudinha. Vai faltar. Sei que voz é troço importante. Quase sempre me aborreço com alguma. Seja pelo tom ou pela falta de clareza. Ou pela feiúra mesmo. Existe, lamento. Mas existe. Agora estou apaixonada pela voz de Arthur, menino de 1 ano e 7 meses, filho de uma mulher que faz pilates no mesmo lugar que eu. Arthur me vê e diz “Afa” para girafa. Depois “uga” para tartaruga. Deliro com a vitória que deve ser conseguir articular pensamento, lógica e o ato em si. Sempre lamentei a falta de memória da infância, queria mais daquilo que considero ser uma época mágica e deslumbrante da minha vida. Mas outro dia desisti dessa saudade. Porque o pensamento infantil é extremamente livre e permissivo e grande. Imagina se lembrasse de um dia que fiquei horas olhando para bolas coloridas, sendo que as bolas não eram só bolas, eram mundos, cada uma, e cada cor me invadia e me abraçava, e sim, quase como lisergia, eu era as bolas e tocar minha boca nelas era extremamente prazeroso e e e e e e. Não poderia mesmo lembrar, ia embaralhar tudo. O cérebro é sábio, e duvidamos. Talvez ficasse cansada com tanto acúmulo. Hoje falei pouco. Arrisco 5 mil palavras, longe da média de 20 mil das mulheres. Ficou curioso sobre os homens? 7 mil. Amo. Amo minhas 20, amo as 7 dele. Sozinha no espelho rola demais, no banho. Medo se me flagram. Porque aí falo diferente, mirabolâncias vem à tona, fico lelé lelé. Muito íntimo seria se me pegassem falando sozinha. Outro dia subi a serra sozinha, uma da manhã no carro. Breu, sem som. Até eu queria ter gravado tudo o que eu disse. Esqueci que a lua estava cheia.

2 comentários:

  1. Minha irmã vez ou outra me pega falando sozinha.
    O problema que eu faço diálogos. Foda.

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  2. Eu também fiz letras, também era assustador pra mim. Eu falo errado, e tenho problemas nas cordas vocais, e falo muito. ler você é encontrar um lugar onde eu também pertenço.
    :*

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