terça-feira, 9 de agosto de 2011

Frenesi do zzzz



Não sei como começou mas eu em criança fingia que dormia na presença das pessoas. Queria saber se me segredavam algo. Fingia que dormia na frente dos meus pais. Encostava no sofá, fechava os olhos, mas estava atenta. Não diziam nada demais, ficava aliviada e ia logo brincar com minhas miniaturas de uma família urso.

A primeira vez, acho, foi na hora do recreio, as meninas trocavam papel de carta, eu sentei perto e fingi que hibernava. Eu não sei porquê, mas é isso mesmo. Eu queria saber. Mas não frontalmente, pois entendia a cerimônia e a decência do espaço da mentira. Queria saber se me achavam bonita ou legal, mas sem o risco de corar o rosto.

Eu, que sempre fui insone, achei que parecendo que dormia, o mundo se revelava outro. Não era bem assim. Meus irmãos deviam ter códigos quando dividíamos o quarto, e as meninas no recreio não tinham nem tempo pra me incluir em citações. Mas eu não desistia. Demorava séculos pra dormir de fato, mas o fingimento já rolava há uma hora. Não era a possibilidade de flagra que me seduzia, mas sim a observação do livre-espontâneo. Eu crescia e me separava cada vez mais dele. Dormir ainda era livre.

Numa viagem de excursão para Cidade da Criança, aconteceu. Eu fingia que dormia no banco e as pessoas falaram mal de mim. Ali foi o início da atenção aos meus extremos. Os tamanhos eram muito além do possivelmente permitido. Eu que talvez já tivesse reparado, era agora então, finalmente reparada. O mais curioso é que eu continuei de olhos fechados. Blábláblábláblá Letícia aquilo isso. Ouvi. O olho deve ter tremido um pouco. Mas o que eu lembro disso é que tudo que vi foi a Grécia. Sonhar é fechar os olhos. Foi nessa hora que eu compreendi. A redoma de vidro que a gente pode construir pra ter uma vida boa. Não é optar pela ignorância, é ser capaz de fingir que dorme. Conectar nossos fios com os nossos fios. Elas falaram que eu era feia, que eu parecia um zumbi. Mas o que fica não é bem isso. Fica mais que eu me visualizei mais velha, interessante, vivida, beijando homens bonitos, sendo feliz, tendo filhos. Visualizar impressão: Eu, em 2012, conhecendo a Grécia. No mesmo instante, eu criei outra vida pra mim. E essa vida chegou, olha que coisa. Tá chegando. Salvei a visualização pra mim. Salvar como? Foi ali que nasceu a atrizinha que mora em mim.

Depois parei um pouco de fingir que dormia. Me assumi insone. E não luto contra. Levanto, escrevo, leio, raspo a perna se for o caso. Mas outro dia não resisti. Sabia que o amor me olhava, sabia que ele tinha despertado antes de mim. E tem esse peso "OAMORTEOLHA". E resolvi fingir que dormia. Ele faria alguma coisa? Pode parecer óbvio o amor, mas não é bem assim, aviso logo para os que acham que a vida fica calma com ele. Pois eu fingia que dormia e ele me deu um beijinho. Sabe um beijinho? Fingi que semi-acordava, fiz cara de bebê que resmunga. O amor tem disso: a tal volta ao livre-espontâneo. Evoé.

E foi nesse dia, talvez de lua nova (eu que sempre atribuí grandes acontecimentos pra lua cheia, me surpreendi), insone que sempre fui, consegui dormir de verdade após o fingimento. Foi o beijinho. Sabe um beijinho?


Um comentário:

  1. eu também faço isso, mas por ter vergonha de não conseguir dormir. eu assisti um filme muito lindo esses dias sobre sonhos, e sonhar é uma coisa que ta grudada em mim e pronto.

    se chama la science des rêves e é um doce.

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