sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Sobre o poder de uma ópera

(recebi por email)


Um belo momento de manifestação política do povo italiano:
Inesperado e emocionante, um momento na Ópera em Roma (em Youtube, encontram-se vários excertos desse acontecimento). Dia 12 de março de 2011, Silvio Berlusconi foi obrigado a encarar os fatos.

A Itália comemorava os 150 anos da unificação nacional, e preparou-se, na Ópera de Roma, uma apresentação especial de Nabucco, de Giuseppe Verdi, consagrada como obra símbolo daquela unificação, sob a regência de Riccardo Muti.

Nabucco de Verdi é a um só tempo obra musical e manifesto político: evoca um episódio da história dos judeus escravizados na Babilônia e inclui a ária famosíssima, “Va pensiero”, que os escravos cantam em coro. Essa belíssima ária converteu-se em hino de todos os povos e homens e mulheres que lutam pela liberdade. Verdi escreveu nos anos 1840, quando a Itália era parte do império dos Habsburgo e lutava pela independência e pela sua unificação. Além de Verdi, Giuseppe Garibaldi e Giuseppe Mazzini estavam, cada qual em sua área, à frente da luta pela unificação.

Antes da ópera, Gianni Alemanno, prefeito de Roma, subiu ao palco e denunciou cortes no orçamento para a cultura. Já foi surpreendente, dado que Alemanno é membro do partido que está no poder e foi ministro de Berlusconi.

Mas sua intervenção, num momento em que o público se preparava para assistir a obra, produziria resultado absolutamente inesperado – tanto mais que Sylvio Berlusconi estava presente.

Em entrevista ao Times, Riccardo Muti conta que viveu uma noite, de fato, revolucionária: “Primeiro, foi uma ovação. Depois, iniciamos a ópera. Tudo ia muito bem, até que chegamos à ária do coro, em “Va Pensiero”. Senti, imediatamente, que o público ficou tenso. Essas coisas não se explicam. Eu senti que a atmosfera mudara, que o público ficou tenso. Primeiro, estavam todos em silêncio. Mas, de repente, enquanto o coro avançava, cantando, foi-se criando, no ar, uma espécie de fervor. Sentia-se a resposta visceral do público à lamentação dos escravos “Oh, minha terra, tão bela e tão perdida...”

Quando o coro aproximava-se do final, já se ouviam os primeiros gritos de “Bis!” E começaram os gritos de “Viva Itália!” e “Viva Verdi!” O pessoal das galerias - os lugares mais altos e mais baratos - começou a jogar papéis picados – uns gritavam “Muti, senador vitalício!”


Embora já o tivesse feito antes, uma única vez, no La Scala, em Milão, em 1986, Muti não parecia decidido a conceder o “bis” de “Va pensiero”. Para ele, ópera é obra de arte no tempo, tem começo, meio e fim, não pode ser interrompida, nem pode recomeçar. “Achei que não faria sentido algum repetir a ária. Só se se criasse algo novo” – conta ele. – “Dar ao coro, um sentido especial”.

Mas o público já estava tomado. Então o maestro voltou ao seu pódium, mas voltado para o público e para Berlusconi. O que aconteceu pode ser visto aqui.

[Ouvem-se gritos de “Viva a Itália”]

O maestro Riccardo Muti diz: Sim, concordo que “Viva a Itália” [aplausos]. Mas... há mais de 30 anos, viajo pelo mundo. Hoje, como italiano, sinto vergonha pelo que acontece em meu país. Por isso, sim, concordo com que se cante outra vez “Va pensiero”. Não por patriotismo, mas porque hoje, enquanto eu regia o coro que cantava “Oh minha terra, tão bela e tão perdida”, ocorreu-me que, se a Itália continuar como vai, acabaremos por matar a cultura sobre cuja história a Itália foi construída. Então, nossa Itália será realmente “bela e perdida”. [Todos aplaudem, inclusive o coro, no palco; os cantores levantam-se para aplaudir.]

Muti: Desde que começou por aqui um “clima italiano”, resolvi calar-me, já há muitos anos. Gostaria que, hoje... Acho que deveríamos dar a esse canto um novo sentido. Afinal, estamos no teatro da capital, é nossa casa. O coro cantou magnificamente, a orquestra esteve perfeita, mas, se vocês concordarem, proponho que todos cantem, que nos unamos nesse canto, que cantemos todos.

Muti convidou o público a cantar, com o coro, o canto dos escravos, de Nabucco, de Verdi!

“Aquela noite, não vimos apenas a uma apresentação de Nabucco, fizemos uma declaração, da Opera de Roma, aos políticos italianos” – disse Muti.

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