terça-feira, 21 de dezembro de 2010

desapego do baú


tem tempo já, mas a lua me trouxe a lembrança. coccarelli, pai da minha querida & eterna musa criativa joana coccarelli, fez um site com suas obras. jojô chamou alguns interventores pra criar coisas em cima. escolhi essa imagem e bolei essa mirabolância. era 2mil&5. "desculpa-qualquer-coisa". coçei o dedo querendo editar uma outra palavra que hoje em dia me soa distante, mas relembrei dos meus 23 insanusanus e deixei. deixei. ofereço.



"A única vez que eu bati o carro...", ela disse enquanto colocava o cabelo atrás da orelha, "...foi porque a lua estava muito bonita." concluiu com um sorriso. Ele fez uma cara de "Isso não tem o menor cabimento", mas apenas preferiu falar: "Que bonito isso... bater o carro por estar distraída com a lua." Era a primeira vez que se encontravam na luz do dia. Ela, discretamente confirmava sua teoria de que ele tinha os braços mais curtos que os dela. Ele, gesticulava pouco enquanto comentava sobre a possibilidade de estarem sendo vistos por alguém. "É preciso ter muito cuidado", ele dizia enquanto bebia seu primeiro gole do chopp. "Muito cuidado..." ela pensava. "Muito cuidado comigo!", deixou escapar em voz alta ao que ele apenas fingiu não ter escutado, balbuciando um "Oi?" e ela fazendo cara de "Nada não, esquece". Eram duas horas da tarde e o céu começava a escurecer, parecendo ser oito horas da noite. Comentaram sobre como o tempo é imprevisível. "Como você", ela pensava baixinho, mas tinha certeza de que seu rosto transparente deixaria claro seu pensamento para ele. Toda a conversa tomava tons de metáfora o que deixava difícil saber se estavam brincando ou se estavam falando sério. Estavam nervosos, mesmo em território neutro, e ela sabia que teria que ser a primeira. Sabia-se mais homem do que ele próprio. Deu um longo gole no chopp, o que o deixou um pouco impressionado e disse calmamente, olhando para ele, enquanto quebrava um palito de dente em 6 pedaços: "Eu gosto de você." Ele tinha olheiras de gente que dorme 5 horas por noite, mas um sorriso arrebatador de gente que vive bem 18 horas por dia. "Eu também." disse firme, mas com o rosto um pouco blasé. Silêncio. Brincaram de sério por alguns segundos. Se olharam, sem falar nada, sem ao menos mudar as linhas de expressão da face. No céu, causando pequenos sustos e também admiração, raios e trovões faziam uma assustadora trilha sonora. Mas não caía nenhuma gota das nuvens pesadas que pareciam achatar o mundo. "Mas a gente não pode. E você sabe disso", disse ele, como se tivesse querendo falar isso desde o momento em que haviam sentado ali. Logo em seguida começou todo um discurso sobre continuar a serem amigos. Uma espinha nasceu na testa dela nesse momento. Pediu licença e levantou rápida para o banheiro, onde o espelho denunciava uma tristeza que só o desamor consegue causar. As sobrancelhas parecem pesar dez quilos cada. Fez um litro de xixi e quando se limpou viu que havia ficado menstruada. Gritou alguns palavrões quando percebeu que não tinha nenhum absorvente em sua mínima bolsa. Improvisou com papel higiênico e saiu do banheiro rindo da própria desgraça. De volta à mesa viu que finalmente a chuva caía. Gorda, pesada e com cheiro. Como seu sangue. O céu estava de TPM e agora, finalmente sangrava. Ela ria das próprias besteiras pensadas, e ele, curioso, perguntava o que era. "Eu sangrei", disse com a facilidade que uma criança diz quando precisa ser limpa após ir ao banheiro. "Na verdade, você só gosta de mim, porque não pode me ter", disse ele, ignorando o sorriso dela. "Eu nunca quis te ter. Não é esse o verbo que eu gostaria de conjugar com você." A chuva continuava caindo numa velocidade impressionante, ele esboçava uma cara de impaciência, e em sua testa lia-se: "Eu não tenho culpa de não gostar de você". O desamor é tão ingrato e as sensações causadas tão ruins que caminhar na rua, debaixo da chuva, seria melhor do que aquilo. Ela levantou, deu-lhe um beijo na testa e disse: "Tudo bem. Seus braços são menores do que os meus. Isso jamais daria certo. Não me encaixo no seu abraço. Eu não me encaixo, percebe? Foi um prazer. Adeus." Desde criança tinha vontade de dizer "adeus" em alguma conversa romântica, mas nunca tinha tido a chance. O adeus coube e coube bem. Pois aquela foi a última vez que se viram. Enquanto caminhava na rua, as roupas molhadas, as lágrimas se confundindo com a chuva, um anão, debaixo de seu guarda-chuva, parou e disse: "Que pecado uma mulher tão bonita chorando...". Ela interrompeu os passos e o fitou por alguns segundos. "Que pecado você não poder me dar uma carona no seu guarda chuva." O anão jogou o guarda chuva fora e muito sorridente disse: "Posso te acompanhar na chuva, se preferir..." Gargalharam os dois e caminharam a tarde toda. O anti braço dele era do tamanho da sua mão, mas ainda assim, naquela tarde, deu o melhor abraço de sua vida. Ficaram juntos por três meses e terminaram por incompatibilidade de horários. Ela nunca mais comprou guarda-chuva. Nunca mais saiu de casa sem absorvente. Nunca mais perdeu tempo olhando o tamanho do braço dos homens. Nunca mais disse "Nunca mais vou me apaixonar". Mas bateu o carro outras vezes, impressionada com a lua.




4 comentários:

  1. Haha eu sempre pensava esse tipo de besteira como o céu de tpm e o tamanho do braço, lembrou meus 16 anos (ou talvez eu ainda pense coisas do gênero).
    Consegui sentir aqui a aura desse sujeito, ugh!
    Delícia ler esse texto. Agora acho que vou ir ali bater uns carros ou ser atropelada :*

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  2. linda!
    aos poucos estou voltando à vida e só agora vi isso!
    que sorte a nossa tê-la no coccarelli.art!!! viva!!!
    <3

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  3. lindo! surreal! onírico! verdadeiro.

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